A MULHER E O PAPANICOLAU

Mulheres e meninas, façam as suas perguntas abaixo sobre o tema.




CÂNCER DO COLO DO ÚTERO (CCU) ?
O câncer do colo do útero ou o câncer cérvico-uterino (CCU) é o terceiro mais incidente na população feminina brasileira, excetuando pele não melanoma. O número de novos casos estimados para o ano de 2014 eram de 15.590, com uma taxa de risco de 15,3 casos a cada 100 mil mulheres. Em países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, ainda representa um grave problema de saúde pública, devido a sua alta prevalência e mortalidade, principalmente em mulheres com baixos níveis socioeconômicos e escolar. Apesar da alta morbimortalidade, o CCU quando diagnosticado precocemente tem um altíssimo índice de cura (próximo do 100%), contudo, quando não diagnosticada a lesão inicial progride de forma lenta por 10 a 20 anos até se tornar invasiva, neste estágio a possibilidade de cura é remota.

QUAL A RELAÇÃO DO CCU E HPV?
Hoje se sabe que o câncer de colo do útero está associado à presença e à persistência do Papiloma Vírus Humano (HPV) no epitélio cervical, ou seja, basicamente quase 100% dos casos desse tipo de câncer tiveram suas lesões precursoras ocasionadas pelo HPV. O HPV é um membro da família Papovavirida, possui mais de 100 tipos já identificados como capazes de infectarem o ser humano. Dos tipos oncogênicos, isto é, aqueles com potencial para produzirem lesões precursoras, destacam-se os tipos 16 e 18, presentes em 70% de casos de CCU.

QUEM PODE SE VACINAR CONTRA O HPV?
Atualmente, tem-se apostado na vacinação como método de prevenção primária do CCU, desse modo, em 2014 o Ministério da Saúde implementou no calendário vacinal a vacina tetravalente (subtipos 6, 11, 16 e 18) contra o HPV para meninas de 9 a 13 anos de idade, conforme preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Já em 2017, além das meninas de 9 a 14 anos, também foi incluído como público alvo, meninos de 11 a 13 anos.

O QUE É O EXAME PAPANICOLAU?
O exame preventivo ou citológico é conhecido no Brasil como exame de Papanicolau, este, é um meio de rastreamento do câncer de colo do útero que possui um baixo custo, é inócuo e apresenta uma fácil execução, através do qual se é capaz de identificar uma lesão maligna ainda em fase inicial. A realização do exame é de suma importância, até mesmo para as futuras mulheres que se vacinaram em 2014 e 2017, pois a vacina não protege contra todos os subtipos oncogênicos.

QUEM PODE SE SUBMETER AO PAPANICOLAU?
Estima-se que a mortalidade pelo CCU pode ser reduzida em 80% através da prevenção em mulheres de 25 a 65 anos e o tratamento de carcinomas in situ. Foi pensando dessa maneira que o Ministério da Saúde (MS) adotou a norma da Organização Mundial de Saúde (OMS), a qual preconiza a realização do exame preventivo em mulheres de 25 a 60 anos a cada três anos após dois resultados negativos num intervalo de um ano. Todavia, por ser a relação sexual a principal via de transmissão, as mudanças de hábitos ocorridas nos últimos anos, como a exemplo do início da atividade precoce, uso de anticoncepcionais e a multiplicidade de parceiros, acarretou um aumento considerável na incidência de lesões pré-invasivas em mulheres cada vez mais jovens. Por isso, tem-se aconselhando o início da prevenção aos 18 anos ou a partir do início da atividade sexual, independente de qual seja a idade.

MEDO DO PAPANICOLAU?
O medo pode influir positivamente ou negativamente. No primeiro caso, temos o “medo da doença” influindo as mulheres a buscarem o exame como resposta a essa inquietação, podendo se apresentar de diversas maneiras (2,6,3,8,20,12). O “medo da doença”, no seu sentido amplo, é comumente relatado como a principal causa que leva as mulheres a buscarem o exame, fato observado por Silva et al. (2010), onde 70% das que se submeteram ao exame foram motivadas por tal fator. Este, ao se apresentar como a espécie medo do câncer propriamente dito, está relacionado principalmente ao sentido que se dar à palavra câncer: uma doença letal, mutiladora e, por vezes, incurável (2). São características fortemente consolidadas pelos exemplos no convívio diário dessas mulheres, como quando ao ter notícia que uma vizinha passou por uma histerectomia ou retirada de outros órgãos, com medo de passar pelo mesmo, procura o serviço de saúde para realizar o preventivo (2,8). Não que essa atitude de buscar o exame seja ruim, mas quando pessoas procuram o serviço de saúde motivadas pelo flagelo alheio, é porque chegamos a um ponto inaceitável de morbimortalidade.
Outra forma de apresentação do “medo da doença” é quando do surgimento de possíveis sintomas do CCU. A mulher ao se ver diante de dores, sangramentos ou outro tipo de sintoma busca ajuda médica. Trata-se de um problema sério, já que um número muito baixo de mulheres realizam o exame, e quando o realizam, uma boa parte dessas mulheres são motivadas por sintomas que somente surgem em um estádio já avançando da doença, onde a chance de cura é muito reduzida (2,10,7,3,18,11,12,21).
Tal como foi descrito por Pimentel et al. (2011) em pesquisa realizada em pacientes acometidas pela afecção, identificaram que elas buscaram somente o serviço de saúde quando já acometidas por sintomas, dos quais se relacionavam a estádios avançados do CCU. Essa atitude pode estar relacionada à maneira como veem a doença, indo ao encontro do que foi constatado em pesquisa realizada por Silva et al. (2010), na qual observou que 80% das entrevistadas viam o câncer como uma “ferida”. Através disso, percebemos que esses indivíduos, em sua maioria, tendem a associar neoplasia a algo que seja perceptível, àquilo que se possa tocar e sentir, desconsiderando, portanto, a natureza silenciosa da referida patologia.
Temos também induzindo positivamente e com bastante relevância, o “medo da doença” ocasionado por fatores de risco, dos quais podemos destacar: casos de CCU na família; infidelidade do companheiro; e a coinfecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) (3,12). Os fatores de riscos destacados são comumente os que mais influenciam-nas em busca da prevenção, contudo, outros fatores relacionados à doença são: tabagismo, uso de anticoncepcionais, promiscuidade, deficiência de vitaminas e iniciação sexual precoce (8,12).
Em contraste com os exemplos apresentados, tem-se o “medo do resultado”, outro tipo de “medo da doença”, porém agindo negativamente (2,6,3,19,18,20,4). Como bem descreve Davim et al. (2005), 37,5% das participantes da sua pesquisa relataram que não faziam o exame devido ao medo que tinham do resultado. Porém esses números podem ir bem mais além, pois algumas mulheres, mesmo realizando o exame, podem não buscar o resultado exatamente por medo, tornando, assim, ineficaz a prevenção (20).
Outra espécie de medo é o que diz respeito ao procedimento propriamente dito (ao exame), grande parte se deve à introdução do espéculo, que por vezes, é relatado por elas como sendo assustador, que provoca dores ou machuca; é o “medo daqueles ferros” (6,3,18). É um medo comum naquelas mulheres que nunca realizaram o preventivo e que baseadas em relatos alheios, dos quais muitas vezes afirmavam que o exame é muito doloroso, essas mulheres ao ouvirem isso, incorporam em si essa visão equivocada e acabam evitando ou adiando o exame (19).
               Além do sentimento medo, a vergonha é comumente observada nos relatos das mulheres, consubstanciando-a em atitudes que lhes afastam do preventivo (2,6,7,3,19,20,12,4,17,21,15). Como bem relatam Ferreira (2009) e Ressel et al. (2013), a vergonha é comumente referida como a principal justificativa para a não realização do Papanicolau. Sentimento, este, que pode ser exacerbado quando o profissional envolvido é do sexo masculino (7,5).
             A posição adotada pela paciente e a exposição das suas partes genitais são culturalmente associadas ao ato sexual, pois são educadas desde tenra idade que a nudez é algo vergonhoso, muitas vezes relacionado ao pecado. (7,3,12,15). A vergonha além de inibirem as mulheres de realizarem o exame, também provoca uma má impressão e até mesmo não adesão por aquelas que o realizam, porque quando exacerbada provoca uma rigidez da musculatura da pelve com consequente dor durante o procedimento. Esta experiência desagradável pode ser repassada por ela para as outras mulheres que acabam por se inibirem ainda mais, devido ao medo do procedimento (7,15).
             Possivelmente, o fator que mais levam as mulheres realizarem o exame é o que tange aos cuidados no controle da natalidade ou desejo de engravidar (7). Isso explica porque a maioria das mulheres submetidas ao Papanicolau têm menos de 35 anos e são casadas (2,6,3,20). Na sua pesquisa, Pelosso et al. (2004) relatam que durante a mesma nenhuma mulher acima de 46 anos realizou o preventivo. Davim et al. (2005), ainda, observam que 17% relacionam a finalidade do preventivo à saúde do útero.
              Os dados apresentados denunciam que essa relação entre o exame preventivo e reprodução gera uma grande distorção quanto a cobertura, já que a faixa etária de 25 a 34 anos realiza o exame de forma frequente, geralmente como exame de rotina do acompanhamento pré-natal nas próprias unidades básicas de saúde (UBS). Enquanto por outro lado, as mulheres da faixa etária de 35 a 60 anos mal realizam o exame (2,6,20). Fato gravíssimo, visto que, de acordo com o INCA (2014), a maior incidência de CCU se encontra em mulheres acima de 30 anos, aumentando seu risco rapidamente até atingir o pico na faixa etária entre 50 e 60 anos.
                A mulher como indivíduo participante do mercado de trabalho e o seu papel no cuidado dos filhos fazem surgir outro entrave para a ida delas aos serviços de saúde: a falta de tempo (2,3,19,18,12). As mulheres estão cada vez mais se inserido no mercado de trabalho, alterando sobre maneira o seu papel familiar, bem como demonstra os dados de Casarin e Piccoli (2011), 72 % das entrevistadas trabalhavam fora. Mais do que uma questão de gênero, a falta de tempo está relacionada à carência de assistência por parte dos governos a essas mulheres, principalmente quando são mães solteiras que trabalham, pois é dever do Estado garantir a educação infantil em creches e pré-escolas a todas as crianças até os 5 anos de idade, ou seja, é um direito universal e gratuito (22).
            A precarização dos serviços públicos de saúde é exaustivamente relatada como empecilho para realização do exame, não somente quanto a estrutura, mas, também, em relação ao profissional envolvido no atendimento (2,6,3,12). A falta de estrutura, como a exemplo da insuficiência de vagas, dificuldade para marcação de consultas, falta de materiais básicos para a realização dos procedimentos e a demora no atendimento com a formação de longas filas, demonstram uma dura realidade do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), ele é perfeito no papel, mas, na prática, é um Sistema falido e precário.
             Seja a culpa da má gestão e alocação de recursos ou mesmo inerentes ao Sistema em si, ou ambos, o fato é que isso resulta numa perda incalculável, pois como já visto, as mulheres enfrentam dificuldades tremendas para vencerem vários fatores e quando conseguem, esbarram na falta de vagas. Podemos evidenciar essa realidade lançando mão, mais uma vez, da pesquisa de Davim et al. (2005), onde 33,3% das participantes afirmaram que não realizaram o preventivo devido à dificuldade de marcação da consulta. Outro ponto relatado por Pimentel et al. (2011), igualmente importante, relaciona-se a desorganização dos serviços de saúde, pois os autores fazem menção que as pacientes iam buscar o resultado do exame, mas não era encontrado.
               Sem sombra de dúvida, os profissionais de saúde que lidam com essas clientes têm papel fundamental na visão que elas terão sobre o exame, influenciado, principalmente, em relação a sua adesão. Pimentel et al. (2011) observam o quão elas são frágeis diante do atendimento desses profissionais, pois a maioria desconhece os detalhes do procedimento e não encontram, muitas vezes, esclarecimentos durante o atendimento, ficando, assim, a mercê dos ditames alheios. Diante dos relatos das pesquisas (12,21), percebe-se que elas esperam que os profissionais estejam dispostos a esclarecerem as dúvidas do procedimento. Então, mesmo quando as mesmas têm vergonha de perguntar, é esperado iniciativa própria do profissional sobre esclarecimentos sempre que for realizar algum procedimento no corpo delas.
               O desconhecimento do exame preventivo e do câncer, como da sua importância para a saúde dessas mulheres, continua sendo um fator preponderante, mesmo com o aumento da divulgação nos últimos anos, através de campanhas e meios de comunicação (2,6). Isso se dar principalmente nas unidades públicas, talvez porque uma maioria esmagadora dessas mulheres têm baixo grau de instrução. Davim et al. (2005) relataram na sua pesquisa que 58.3% das participantes estavam no fundamental, ou seja, possuíam baixo nível de escolaridade, porém, apesar do nível de escolaridade ser constantemente relacionado com o nível de conhecimento do exame, Ribeiro et al. (2013) demonstram que essa característica não é um atributo exclusivo das mulheres com grau inferior de escolaridade, pois acadêmicas de enfermagem também tinham uma deficiência quanto ao conhecimento.
            O conhecimento influencia fortemente os outros fatores, a exemplo do medo e da vergonha que poderiam ser minimizados através de informações do procedimento e importância (6). Como observado, muitas mulheres procuram o serviço de saúde quando acometidas por sintomas, isso tem uma estreita relação com o conhecimento sobre o CCU, pois a falta de informação a respeito do câncer como doença silenciosa acarreta esse comportamento (12). O desconhecimento sobre prevenção da doença pode levá-las a uma visão do câncer como incurável, desse modo, não realizam o preventivo por acreditarem que ao ser incurável, não há como evitá-lo (19). Já quando a informação do preventivo é insuficiente ou inadequada, elas podem até realizarem o exame, mas muitas vezes não o fazem no tempo preconizado pelo MS (6).
Percebe-se que os fatores identificados somam-se ou subtraem-se, agindo com uma intensidade diferente para cada mulher na motivação ou não para a realização do exame, devido à qualidade humana de ser cada indivíduo um ser ímpar, com suas próprias concepções, bagagem cultural, experiências, etc. Quanto aos sentimentos vergonha e medo, pode-se utilizar em campanhas preventivas ações que abordem a sexualidade com base na cultura do público-alvo e a educação em saúde, esta, sobretudo, trazendo esclarecimentos sobre o procedimento propriamente dito, a importância do exame de Papanicolau, o CCU como doença evitável, entre outros. Além disso, uma ação mais incisiva do profissional de saúde que pode agir de modo pontual e pessoal, atuação caso a caso, é de suma importância. O desenvolvimento da empatia no trato com elas, que basicamente foi o cerne desse artigo, seria o primeiro passo do profissional, que passaria a atuar de forma mais acolhedora, sensível e eficiente, isto é, fazendo frente contra essa cultura hospitalar de “objetificação” do paciente.
Diante de todo o exposto, apesar de termos um aumento no número de exames registrados, podem não expressarem a eficácia da prevenção, pois como visto: muitas mulheres procuram realizar ao exame quando eivadas de sintomas; outras realizam ao exame, mas não buscam o resultado; há ainda aquelas que realizam fora do preconizado pelo Ministério da Saúde (MS); a demora de entrega ou perda do resultado torna ineficiente a prevenção; e a descontinuidade da cobertura relacionada ao comportamento das mulheres de realizarem apenas quando reprodutivas e à precarização dos serviços públicos de saúde. Tais fatos, sem dúvida, fazem parte da soma que contribui para o aumento contínuo da taxa de mortalidade, que entre o período de 2010 e 2013 passou de 4,89 a 5,24 (por 100 mil mulheres) de acordo com o Atlas de Mortalidade de Câncer no Brasil (23).
Isso indica que a eficácia da prevenção está bem mais além do que um simples aumento nominal de exames preventivos realizados, é preciso que esse aumento seja uniforme quanto a todas as faixas etárias e também geograficamente. Infelizmente, o Estado ao mesmo tempo que estimula as mulheres a realizarem o exame, afastam-nas, pois não lhes dão condições adequadas e conhecimento suficiente para cuidarem da sua saúde. Paralelamente, muitos profissionais não fazem o seu papel para mudar esse cenário, tornando mais precária essa situação e quando o faz, geralmente esbarram na falta de condições de estrutura de trabalho. É um desafio que cabe a todos fazerem a diferença, seja divulgando as informações em casa, no trabalho, na internet, etc., ou mesmo cobrando dos governantes a sua atuação, tudo isso é essencial quando se busca essa mudança.

Bibliografia

SOUSA; BRUSTEIN. A mulher e o Papanicolau: principais fatores influenciadores. ed. 142. NewsLab, p.24 – 28, Jun/ Jul 2017. Disponível em: http://www.newslab.com.br/wp-content/uploads/2017/06/A-mulher-e-o-Papanicolau-principais-fatores-influenciadores.pdf

Resumo: http://www.newslab.com.br/a-mulher-e-o-papanicolau-principais-fatores-influenciadores/

Link alternativo: http://docplayer.com.br/54887616-A-mulher-e-o-papanicolau-principais-fatores-influenciadores-thiago-aecio-de-sousa1-vanessa-passos-brustein2.html